terça-feira, 13 de novembro de 2007

GMT -07:00 para GMT

(Atenção! Post umbiguista)

Preciso de viajar através de sete fusos horários sem sair do mesmo sítio. Ainda nem são 18h e já é noite! Desde que mudou a hora que a minha vida se tornou muito mais sombria. Se alguém agora se deitar às 7 da manhã e acordar às 15h praticamente não vê o Sol, é quase como viver o fenómeno da Noite Polar mas em latitudes onde isso é, no mínimo, improvável.
Nem eu entendo esta coisa de viver sete fusos horários atrasado em relação ao sítio onde estou. A diferença não era tão grande mas com o tempo foi piorando e agora tornou-se incomportável. Em todo o caso, em breve terei de arranjar um novo emprego, até porque a “indemnização choruda” não vai durar muito, e desta vez quero tentar ter um horário normal. Mas não sei bem como fazer essa mudança súbita sem sofrer imenso com o jet lag implicado. O mais engraçado é pensar que se agora viajasse para o México não teria qualquer problema de jet lag! Se calhar devia antes procurar emprego por lá… Mazatlán, na costa do Pacífico, por qué no…? Afinal, aquele velho sonho de vender águas de coco na praia… Ou então, a alternativa é ficar cá mas arranjar amigos e amigas lá. Hoje em dia é perfeitamente viável… “Procuram-se amigos localizados em GMT -7”.

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(c) Carlos Colaço 2007

“Isso não é vida para ninguém!”, lembro-me de ouvir dizer alguém, a quem deveria eventualmente maior respeito, referindo-se aos meus horários heterodoxos. Não partilho dessa concepção mas, em todo o caso, admito que se o excesso de Sol pode ser prejudicial, o excesso de Lua também não é nada bom deixando-nos mesmo com uma cor pálida, pouco saudável.
Quando oiço falar do fascínio da vida nocturna rio-me por dentro como quem já percebeu que está a ser enganado mas deixa prosseguir a mentira. Tem um andamento viscoso muito próprio, a noite. Tudo passa muito mais devagar, menos o tempo. Faz-se demorar a noite e no entanto, quando se dá por isso já são 2:00, já são 4:00, 6:00… À noite todos metem conversa, como que por medo do silêncio. Do silêncio do outro, do silêncio próprio, do silêncio. Luzes amarelas iluminam avenidas inteiras de vazio e desassombram incontáveis ruas desalmadas. Os semáforos impõem-se rectos para ninguém, como actores teatrais nos ensaios clamando a plateias vazias. Até se aproximar um carro, que até pode ser azul escuro, ou verde escuro ou se calhar é mesmo preto mas a esta hora tanto faz, e através dos reflexos do vidro consegue-se distinguir um rosto a sorrir e um encolher de ombros resignado à intransigência do semáforo vermelho que o obriga a parar, para ver passar ninguém. Entretanto há outro anónimo que se aproxima deste e lhe pede um cigarro e há uma prostituta que lhe oferece lume e, antes de acender o verde, dá ainda tempo para fazer um zapping ao rádio, povoado daquelas vozes roucas e pausadas onde se ouve no timbre o quanto custa em cigarros o passar das horas escuras. E logo arranca, o carro quase vazio, transportando a mesma solidão da sessão da meia-noite em dia a semana... E há também o outro zapping, em círculo infindável, entre compactos, reposições e repetições, numa televisão com a qual é quase possível viver em união de facto, noite após noite.
À noite cada hora é uma repetição das anteriores até à alvorada… E depois ao amanhecer é ver os vespertinos a fugir da luz como vampiros e a recolher ansiosamente aos aposentos, como se ver o Sol provocasse danos irreparáveis no tão aguardado sono.


Smashing Pumpkins – We only come out at night

Mas sinto imenso a falta do sol da manhã… A maior parte das pessoas não se aperceberá, tal é a banalidade, mas para mim é sempre deslumbrante ver as cores e a incidência da luz da manhã… as ruas, os prédios, os rostos, o Tejo, tudo fica completamente diferente…
Preciso de viajar através de sete fusos horários sem sair do mesmo sítio.
Parece mesmo que vou fazer uma espécie de longa viagem. E enfim… depois, quando der por mim a bocejar tremendamente à meia-noite, sei que me vou aperceber com um sorriso que voltei a fazer parte do formigueiro corredio de onde me sinto extraviado…

Um comentário:

Anônimo disse...

E investir na construção de um livrito, não? Agora que chegaram o frio e a chuva...